Neste conjunto de poemas, vamos embarcar numa viagem pela poesia brasileira e explorar vinte visões diferentes sobre a vida. Cada poeta nos oferece uma perspectiva única, cheia de emoção e reflexão, que nos faz pensar sobre nossas próprias experiências.
Desde os versos nostálgicos de Carlos Drummond de Andrade até a paixão lírica de Vinicius de Moraes, esses poetas nos conduzem por um passeio emocionante através das complexidades da existência. Com temas que variam desde o amor e a solidão até a esperança e a busca por significado, cada poema é uma reflexão sobre a condição humana.
Os melhores poemas sobre a vida
Confira!
1. “Motivo” por Cecília Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
2. “Poema em Linha Reta” por Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu, tantas vezes irresponsivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
3. “José” por Carlos Drummond de Andrade
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
E agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
4. “Amar” por Carlos Drummond de Andrade
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
Amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marítima,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru, um vaso sem flor,
um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
5. “Ausência” por Vinicius de Moraes
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces,
porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto.
Porque não sou mais o apaixonado,
esse ser de delírios de quem tanto te orgulhaste.
E que só te procurava para te ver de olhos fechados…
E o que desejo em ti já não é a loucura que exalta
os sentidos, é a paz de não quereres dar nada.
Por isso deixarei que morra em mim o desejo
de te amar, pouco a pouco, e como que por encantamento.
E tudo o que era luz na minha alma apagar-se-á.
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar-te.
E pouco a pouco, e como que por encantamento, serei um homem como tantos outros.
6. “Soneto de Fidelidade” por Vinicius de Moraes
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
7. “Morte e Vida Severina” por João Cabral de Melo Neto
O retirante explica ao leitor
quem é e a que vai
— O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com o nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçados da cinza.
8. “No meio do caminho” por Carlos Drummond de Andrade
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
9. “Poema de Sete Faces” por Carlos Drummond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
10. “Canção do Exílio” por Gonçalves Dias
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o sabiá.
11. “Soneto da Separação” por Vinicius de Moraes
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
12. “Metade” por Oswaldo Montenegro
Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio
Que a música que ouço ao longe
seja linda, ainda que tristeza
Que a mulher que amo seja pra sempre amada
mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade
Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
mas a outra metade é o que calo
Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
E que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
mas a outra metade é um vulcão
Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita em meu rosto
um doce sorriso que me lembro de ter dado na infância
Porque metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade eu não sei
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço
Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é plateia
e a outra metade é canção
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
e a outra metade também.
13. “A Máquina do Mundo” por Carlos Drummond de Andrade
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável,
seu preparo de tempo e de mistério,
e supôs que eu a olhasse de pervagante
e logo naufragasse em sua face
de superfície e ângulos soberanos.
Enigma decifrável só no sonho,
onde a matéria apenas se baliza
e em vagas erupções e depois sofre
transformação e morte, não com peso
de concreção ou de abstrato, mas da idea
sublime que a contém e multiplicada
perde-se e se renova em outro ciclo
de entendimento e de visão sucinta.
A ígnea epifania que eu comungava
no muito de meu ser que ainda restava
transido em permanente claridade,
apagava os enganos do silêncio
e acendia os fusíveis do instinto,
atingindo-me ponto por ponto, em todos
os meridianos do corpo e da alma,
mundo agudo e disperso que um segundo
se fazia e desfazia em traços leves
por entre as estepes da memória.
E a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Nem escutá-la mais eu podia,
senão em meu cerne a voz de um ser
já morto, a murmurar que as coisas todas
tinham seu tempo e a razão era
o quadro fixo de uma visão, a estação
segura do repouso em meio ao caos.
E a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Mas tudo ali repousa de quem vê,
e a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Eu, que não quis entender a aragem
que a compunha, fui ficando ao largo
do campo de visão que me abria,
e a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
E, assim, deixou-me só com a sombra
de meu ser peregrino e atônito,
e a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
14. “O Tempo” por Mario Quintana
A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é Natal…
Quando se vê, já terminou o ano…
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, passaram-se 50 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
Seguia sempre, sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
Dessa forma eu digo:
não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo.
A única falta que terá, será desse tempo que infelizmente não voltará mais.
15. “Poeminha do Contra” por Mario Quintana
Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!
16. “Poema do Silêncio” por Ferreira Gullar
No mundo há muitas armadilhas,
muitas ciladas para os passantes.
A morte espreita em cada esquina,
onde menos se espera ela se aninha.
E no entanto, há quem por milagre
não morra nem mesmo em atentado.
Não há que procurar razões,
quando o destino já está traçado.
Há quem, por obra do acaso,
se desvie do caminho traçado.
Não há que tentar desvendar
os segredos que estão guardados.
E há quem morra de repente,
sem aviso ou presságio.
A morte, essa não escolhe hora,
nem lugar, nem coragem.
17. “Traduzir-se” por Ferreira Gullar
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
18. “E agora, José?” por Carlos Drummond de Andrade
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
E agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
19. “Ismália” por Alphonsus de Guimaraens
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…
E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…
20. “O Navio Negreiro” por Castro Alves
‘Stamos em pleno mar… Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm… cansam
Como turba de infantes inquieta.
‘Stamos em pleno mar… Do firmamento
Os astros saltam d’alva como espuma…
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido elemento…
‘Stamos em pleno mar… Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes…
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?
‘Stamos em pleno mar… Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas…
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode, nas fúrias
Deus do céu! Como é lindo este oásis,
Corre no bojo enorme de um navio,
Resvalando na fúria do oceano!
Ontem a casa branca da montanha,
E a chaminé da fábrica e a rua,
E o telhado vermelho da casa…
E o vapor — e a muralha, e o homem,
E o terraço do morro, e o hospital,
E o burburinho imenso das crianças…
Ali um pouco mais, quase tocando
As cristas da montanha, as duas ilhas…
Aqui o negro do largo.
Mas o navio negro,
Como um imenso turbilhão de fumo,
Levando à roldão os dois montes,
E as praias, e as ondas e os ventos,
Que o espaço limitam ao mar.
Adquira os cem melhores poemas brasileiros do século na Amazon neste link!