A literatura de cordel é uma expressão cultural rica e vibrante do Nordeste brasileiro, caracterizada por versos rimados e narrativas envolventes. Esses poemas, geralmente impressos em folhetos, abordam temas variados, desde a história e o folclore até questões sociais e políticas.
Aqui estão nove poemas de cordel nordestino que são particularmente importantes:
1. A Chegada de Lampião no Inferno – José Pacheco
Este poema narra a chegada do famoso cangaceiro Lampião ao inferno, criando uma sátira cheia de humor e crítica social. A obra é uma das mais conhecidas do cordel e destaca a habilidade de José Pacheco em misturar fatos históricos com elementos fictícios.
Um cabra de Lampião
De nome Pilão Deitado
Que morreu numa trincheira
Num certo tempo passado
Agora pelo sertão Anda correndo visão
Fazendo mal-assombrado
E foi quem trouxe a notícia
Que viu Lampião chegar
O inferno nesse dia
Faltou pouco pra virar
Incendiou-se o mercado
Morreu tanto cão queimado
Que faz gosto inté contar
Morreram cem negro velho
Que não trabalhavam mais
Três netos de Parafuso
E um cão chamado Cá-traz
Morreu também Bigodeira
E um cão chamado Buteira
Cunhado de Satanás
Vamos tratar da chegada
Quando lampião bateu
Um moleque ainda moço
No portão apareceu
Quem é você, cavalheiro?
Moleque, eu sou cangaceiro
Lampião lhe respondeu
Moleque, não! Sou vigia
E não sou seu pairceiro
Hoje aqui o senhor não entra
Sem dixé quem é primeiro
Moleque, abra o portão
Saiba que sou Lampião
O assombro do mundo inteiro
Então esse vigia
Que trabalha no portão
Dá pisa que voa cinza
Sem fazer distinção
O cabra escreveu não leu
A macaiba comeu
Ali não se faz perdão
O vigia foi e disse
Fique fora que eu entro
E eu vou falar com o chefe
No gabinete do centro
Por certo ele não lhe quer
Mas conforme eu lhe disser
Eu levo o senhor pra dentro
Lampião disse: Vá logo
Quem conversa perde hora
Vá depressa e volte logo
E eu quero pouca demora
Se não me derem ingresso
Eu viro tudo aos avesso
Taco fogo e vou embora
O vigia foi e disse
A satanás no salão
Saiba, vossa senhoria
Aí chegou Lampião
Dizendo que quer entrar
E eu vim lhe perguntar
Se lhe dou o ingresso ou não
Não senhor, satanás disse
Diga a ele que vá simbora
Só me chega gente ruim
Eu ando muito caipora
Eu já to inté com vontade
De botar mais da metade
Dos que têm aqui pra fora
Não senhor satanás disse
Vá dizer que vá embora
Só me chega gente ruim
Eu ando meio caipora
Eu já estou com vontade
De botar mais da metade
Dos que têm aqui pra fora
Disse o vigia
Patrão A coisa vai piorar
E eu sei que ele se dana
Quando não puder entrar
Satanás disse isso é nada
Reúna aí a negrada
E leve o que precisar
Quando Lampião deu fé
Da tropa negra encostada
Disse só na Abissínia
Ô tropa preta danada
E uma voz que ecoou
Satanás foi quem mandou
Taca-lhe fogo negrada
Lampião pôde pegar
Uma caveira de boi
Sapecou na testa dum
E o cabra só fez dizer oi
Houve grande prejuízo
No inferno nesse dia
Queimou-se vinte mil conto
Que Satanás possuía
Queimou-se o livro do pont
Perderam seiscentos contos
Somente em mercadoria
Reclamava Lucifer
Crise maior não precisa
Os anos ruim de safra
E agora mais esta pisa
Se não houver bom inverno
Aqui dentro dos inferno
Ninguém compra uma camisa
Quem duvidar desta historia
Pensar que não foi assim
Duvidando de meu verso
Não acreditando em mim
Vá comprar papel moderno
E escreva para os inferno
Mande saber de Caim
2. Pavão Misterioso – José Camelo de Melo Resende
“Pavão Misterioso” é uma das obras mais icônicas da literatura de cordel. Conta a história de um jovem que constrói um pavão mecânico para resgatar sua amada presa em uma torre. O poema é um exemplo clássico da imaginação e criatividade presentes na cultura do cordel.
Eu vou contar uma história
De um pavão misterioso
Que levantou vôo na Grécia
Com um rapaz corajoso
Raptando uma condessa
Filha de um conde orgulhoso.
Residia na Turquia
Um viúvo capitalista
Pai de dois filhos solteiros
O mais velho João Batista
Então o filho mais novo
Se chamava Evangelista.
O velho turco era dono
Duma fábrica de tecidos
Com largas propriedades
Dinheiro e bens possuídos
Deu de herança a seus filhos
Porque eram bem unidos (…)
3. A Peleja de Cego Aderaldo com Zé Pretinho – Firmino Teixeira do Amaral
Este poema retrata uma peleja, ou duelo de versos, entre dois personagens: Cego Aderaldo e Zé Pretinho. A obra é celebrada por sua engenhosidade e pelo uso habilidoso da rima e da métrica.
Apreciem, meus leitores,
Uma forte discussão,
Que tive com Zé Pretinho,
Um cantador do sertão,
O qual, no tanger do verso,
Vencia qualquer questão.
Um dia, determinei
A sair do Quixadá
Uma das belas cidades
Do estado do Ceará.
Fui até o Piauí,
Ver os cantores de lá.
Me hospedei na Pimenteira
Depois em Alagoinha;
Cantei no Campo Maior,
No Angico e na Baixinha.
De lá eu tive um convite
Para cantar na Varzinha.
[…]”
4. O Romance do Pavão Misterioso – João Melchíades Ferreira
Embora similar ao poema de José Camelo de Melo Resende, esta versão de João Melchíades Ferreira traz suas próprias nuances e estilos. “O Romance do Pavão Mysteriozo” é uma narrativa épica que continua a fascinar leitores com suas aventuras fantásticas.
Eu vou contar uma história
De um pavão misterioso
Que levantou vôo na Grécia
Com um rapaz corajoso
Raptando uma condessa
Filha de um conde orgulhoso.
Residia na Turquia
Um viúvo capitalista
Pai de dois filhos solteiros
O mais velho João Batista
Então o filho mais novo
Se chamava Evangelista.
O velho turco era dono
Duma fábrica de tecidos
Com largas propriedades
Dinheiro e bens possuídos
Deu de herança a seus filhos
Porque eram bem unidos (…)
5. O poeta da roça – Patativa do Assaré
Patativa do Assaré, cujo nome verdadeiro era Antônio Gonçalves da Silva, é um dos mais importantes poetas populares do Brasil, conhecido principalmente por sua obra expressiva e carregada de crítica social. Nascido em 1909 no município de Assaré, no Ceará, Patativa do Assaré teve uma vida marcada pela simplicidade e pela dedicação à sua arte.
Sou fio das mata, cantô da mão grosa
Trabaio na roça, de inverno e de estio
A minha chupana é tapada de barro
Só fumo cigarro de paia de mio
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestrê, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola
Cantando, pachola, à percura de amô
Não tenho sabença, pois nunca estudei
Apenas eu seio o meu nome assiná
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre
E o fio do pobre não pode estudá
Meu verso rastero, singelo e sem graça
Não entra na praça, no rico salão
Meu verso só entra no campo da roça e dos eito
E às vezes, recordando feliz mocidade
Canto uma sodade que mora em meu peito